Na
noite de 2 de Maio, fui ao show do Noel Gallagher's High Flying Birds no Espaço
das Américas e me deparei com uma curiosa situação que nunca imaginei como
fosse. Acontece que vivi dois cenários distintos que aqui vou narrar.
No
primeiro cenário, estava entrando pela fila da Pista Premium, espécie de setor VIP
dos espetáculos atuais, um espaço próximo ao palco que no Espaço das Américas
ocupava 25% do espaço total do público e era o dobro do preço. Meu ingresso era
para a Pista (comum), mas resolvi tentar entrar na área nobre do local. Como
nunca tinha visto, os seguranças eram verdadeiros gentlemen, a todos sorrisos,
indicando os portões ao qual deveria seguir e revistando de forma discreta, nem
mesmo constrangedora como na maioria das vezes. Um dos seguranças até brincou
com meus óculos dizendo que era uma honra John Lennon estar ali. As moças da
catraca que conferiam os bilhetes também esbanjavam simpatia. Só sorrisos até
mesmo no momento que ela me informou que meu ingresso era para a Pista (comum)
e não para a Pista Premium.
Retornei
a fila passando para o outro lado do espaço, onde era a entrada da Pista Comum.
Foi como sair de um palácio indiano direto para as margens do Rio Gandhi. O
ambiente era completamente diferente, mesmo estando há três metros do outro.
Logo quando entrei na fila, um segurança e uma produtora, os dois de cara
amarrada pediram meu RG. A entrada era permitida para os menores de 18 anos
somente acompanhados pelos pais. Mas na Pista Premium não pediram nenhum documento.
Eles lá vão ligar para a idade do cidadão se ele está pagando bem? Meus 17 anos
e 11 meses quase impediram minha entrada, mas com alguma conversa eles acabaram
me liberando. A seguir, nas várias fileiras da entrada, quando eu me
direcionava a alguma mais adiante, um segurança gritou para eu ir por aquela
que estava mais próxima. Obedeci, e no fim da fila, fui revistado como se estivesse
entrando no mesmo avião que o Barack Obama. A única simpatia desta entrada
tensa foi da moça que recebeu meus ingressos e me desejou um bom show.
Após
alguns 40 minutos zanzando pela Pista (a entrada foi 2 horas e meia antes de
começar o espetáculo) consegui, por meio de um jeitinho brasileiro – que não me
orgulho, mas não nego – passar para a Pista Premium. Outra constatação: na
Pista, os fãs se espremiam desde a entrada na grade, que não dava em lugar
nenhum, somente no final da Pista Premium. Estes fãs choravam desesperadamente e
cantavam todas as músicas do show, desde os clássicos do Oasis como as novas e
excelentes músicas da High Flying Birds, enquanto várias pessoas da Pista
Premium mal faziam ideia do que estava acontecendo no palco.
Não
é um caso isolado. Desde 2009, se eu não me engano, quando iniciaram esse
projeto de repartir a Pista em duas, quem tem dinheiro vê o artista colado ao
seu nariz e quem não tem vê o ídolo por cima das cabeças de quem está na pista
Premium. No show do Paul McCartney em 2010, o blogueiro André Barcinski escreveu:
“O
público da Pista Prime era uma mistura de mauricinhos de camisa pólo,
patricinhas de salto alto e subcelebridades curtindo seu 15º minuto de fama.
Nunca vi um povo tão desanimado. Enquanto a galera da arquibancada chorava, a
Pista Prime sacudia as bolsas Louis Vuitton.
Você tem certeza que aquilo ali não é
rock’n’roll quando o José Serra está vendo o show ao seu lado” (ver postagem)
Esta
interessante discussão social causada pela Pista Premium nos remete ao belo
fato do show do Rage Against the Machine no SWU de 2010. O RATM, banda era
contra a implantação da Pista Premium em seus shows. Não conseguiram vencer os
organizadores do festival e acabaram tocando assim mesmo. Em compensação distribuíram
boa parte dos ingressos do setor Vip para o movimento dos Sem Terra e chamando
o público para invadir a área. O show se tornou histórico e no ano seguinte não
teve divisória na pista do SWU.
É incômodo
perceber tamanha desigualdade em um espaço de entretenimento, a divisória das pistas
é mais uma prova do que o sistema impõe sobre a liberdade individual. Se você é
premium você pode tudo, desde um tapete vermelho até um cartão de crédito
dourado com isenção de juros. Se você não é, a conversa é totalmente diferente.
P.S.:
breve nota sobre o show, Noel Gallagher tem a pontualidade inglesa, um talento que
deve causar inveja ao irmão Liam e uma presença de palco convincente. Mais simpático
do que imaginava, seu show foi eficaz e excelente.