Em
2011, quando ocorreu o massacre na escola do Realengo, no primeiro dia após a
tragédia escrevi que aquela era a cereja do bolo para os jornalistas naquele
ano, assim como o caso Nardoni fora em 2008 (leia aqui). Até aquele momento, o noticiário
se prendeu na notícia, como deveria ser. Mas o que se viu nos dias seguintes
foi uma ostentação midiática em torno do acontecimento desnecessária, para não
dizer podre. Durante semanas explicando o viés do assassino, mostrando os
vídeos caseiros que ele tinha gravado antes de sair atirando nas crianças,
transformou-o em celebridade, assim como foi com Suzane Von Richthofen. Além de
levantar a carreira póstuma da “vítima que virou assassino”, o jornalismo fez questão
de mostrar o drama pessoal das famílias das vítimas com um carregamento de
drama digno de uma novela do Manoel Carlos.
Ano após ano a mídia popular se beneficia da dor alheia. A da vez é uma das mais impactantes. O horror que as pessoas que estavam dentro da Boate Kiss em Santa Maria (RS) passaram é algo difícil de imaginar e o sentimento das dezenas de famílias é de um luto que não cabe em uma tela da televisão. Mas a televisão fará de tudo para encontrar o melhor ângulo de exteriorizar esse pesar.
A
fórmula será a mesma do sequestro da Eloá ou da queda do avião da Tam. Nos três
primeiros dias a busca desenfreada por notícia. Uma cobertura especial com
repórteres espalhados pela cidade entrevistando todo tipo de autoridade no
assunto, parentes, amigos e amigos dos amigos da vítima, e no final uma edição
especial do telejornal com o apresentador em frente o local da tragédia como
“forma de se aproximar da população”. A partir da primeira semana, depoimentos
de cada família tomará conta das longas edições dos jornais, cada uma mostrando
fotos e arquivos pessoais da vítima. E essa exploração da imagem de alguém que
já não está mais aqui ficará a cargo do bom senso e do preço de cada parente. O
quão famosa a mãe da menina Nardoni não ficou logo após a dor ser diminuída e
ela ganhar destaque gigantesco em edições do Fantástico? Ao final, após duas
semanas, a busca pelos culpados, senão pela causa ou então pela justiça. Esse é
o modelo que veremos nos próximos meses. Quando completar seis meses, um ano,
cinco anos, a ladainha será revivida com a desculpa de “não podemos nos
esquecer”. O que me entristece é que não ficará recluso à televisão já não tão
assistida como há algumas décadas, mas tomará com forças as redes sociais.
Se
há tantos anos essa fórmula é tão descaradamente vendida, é porque ela é muito
bem comprada. Na televisão, os noticiários vespertinos têm mais sangue que a
cena do elevador de O Iluminado. E a audiência
desse tipo mequetrefe de se fazer televisão é o que levanta a audiência de
vários canais.
Como
se não bastasse, agora na internet, o próprio internauta não formador de
opinião pública forma uma opinião pública e, duas correntes se destacam em
busca de atenção: a do falso moralismo e a do contra o falso moralismo. É realmente
necessário mostrar sofreguidão como a Lady Gaga que postou uma foto rezando pelas vítimas de
Santa Maria em seu Twitter ou criar páginas de “Luto” com imagens dramáticas? E
é realmente necessária uma postura politicamente incorreta para se mostrar ser
um Rafinha Bastos? Este último que por sinal, na atual tragédia, ao invés de postar
piadas, postou os telefones de todos os órgãos competentes que estão ajudando
as vítimas de Santa Maria. Esta última crítica atinge inclusive a mim que já
escrevi besteiras em outras ocasiões que me arrependo de ter escrito e que com
o passar dos anos minha postura vem constantemente mudando. Coisas da idade que
chega junto ao suposto amadurecimento como pessoa.
O
que eu quero ver na TV e na internet em relação ao incêndio na boate Kiss? Um
serviço público decente em relação aos feridos e suas famílias, uma forma de
saber como ajudar os hospitais do Rio Grande do Sul, um manual de prevenção contando
o que fazer em uma situação desesperadora como esta fora e o acompanhamento de
uma fiscalização bem conduzida em casas noturnas de todo o país para evitar que
uma desgraça como essa se repita. Poupe-me das lágrimas alheias. Isso é pessoal
e intransferível. Se já está na tela, já é um erro.