28 de janeiro de 2013

Sangue e lágrimas em forma de audiência



Em 2011, quando ocorreu o massacre na escola do Realengo, no primeiro dia após a tragédia escrevi que aquela era a cereja do bolo para os jornalistas naquele ano, assim como o caso Nardoni fora em 2008 (leia aqui). Até aquele momento, o noticiário se prendeu na notícia, como deveria ser. Mas o que se viu nos dias seguintes foi uma ostentação midiática em torno do acontecimento desnecessária, para não dizer podre. Durante semanas explicando o viés do assassino, mostrando os vídeos caseiros que ele tinha gravado antes de sair atirando nas crianças, transformou-o em celebridade, assim como foi com Suzane Von Richthofen. Além de levantar a carreira póstuma da “vítima que virou assassino”, o jornalismo fez questão de mostrar o drama pessoal das famílias das vítimas com um carregamento de drama digno de uma novela do Manoel Carlos.


Ano após ano a mídia popular se beneficia da dor alheia. A da vez é uma das mais impactantes. O horror que as pessoas que estavam dentro da Boate Kiss em Santa Maria (RS) passaram é algo difícil de imaginar e o sentimento das dezenas de famílias é de um luto que não cabe em uma tela da televisão. Mas a televisão fará de tudo para encontrar o melhor ângulo de exteriorizar esse pesar.

A fórmula será a mesma do sequestro da Eloá ou da queda do avião da Tam. Nos três primeiros dias a busca desenfreada por notícia. Uma cobertura especial com repórteres espalhados pela cidade entrevistando todo tipo de autoridade no assunto, parentes, amigos e amigos dos amigos da vítima, e no final uma edição especial do telejornal com o apresentador em frente o local da tragédia como “forma de se aproximar da população”. A partir da primeira semana, depoimentos de cada família tomará conta das longas edições dos jornais, cada uma mostrando fotos e arquivos pessoais da vítima. E essa exploração da imagem de alguém que já não está mais aqui ficará a cargo do bom senso e do preço de cada parente. O quão famosa a mãe da menina Nardoni não ficou logo após a dor ser diminuída e ela ganhar destaque gigantesco em edições do Fantástico? Ao final, após duas semanas, a busca pelos culpados, senão pela causa ou então pela justiça. Esse é o modelo que veremos nos próximos meses. Quando completar seis meses, um ano, cinco anos, a ladainha será revivida com a desculpa de “não podemos nos esquecer”. O que me entristece é que não ficará recluso à televisão já não tão assistida como há algumas décadas, mas tomará com forças as redes sociais.

Se há tantos anos essa fórmula é tão descaradamente vendida, é porque ela é muito bem comprada. Na televisão, os noticiários vespertinos têm mais sangue que a cena do elevador de O Iluminado. E a audiência desse tipo mequetrefe de se fazer televisão é o que levanta a audiência de vários canais.

Como se não bastasse, agora na internet, o próprio internauta não formador de opinião pública forma uma opinião pública e, duas correntes se destacam em busca de atenção: a do falso moralismo e a do contra o falso moralismo. É realmente necessário mostrar sofreguidão como a Lady Gaga  que postou uma foto rezando pelas vítimas de Santa Maria em seu Twitter ou criar páginas de “Luto” com imagens dramáticas? E é realmente necessária uma postura politicamente incorreta para se mostrar ser um Rafinha Bastos? Este último que por sinal, na atual tragédia, ao invés de postar piadas, postou os telefones de todos os órgãos competentes que estão ajudando as vítimas de Santa Maria. Esta última crítica atinge inclusive a mim que já escrevi besteiras em outras ocasiões que me arrependo de ter escrito e que com o passar dos anos minha postura vem constantemente mudando. Coisas da idade que chega junto ao suposto amadurecimento como pessoa.

O que eu quero ver na TV e na internet em relação ao incêndio na boate Kiss? Um serviço público decente em relação aos feridos e suas famílias, uma forma de saber como ajudar os hospitais do Rio Grande do Sul, um manual de prevenção contando o que fazer em uma situação desesperadora como esta fora e o acompanhamento de uma fiscalização bem conduzida em casas noturnas de todo o país para evitar que uma desgraça como essa se repita. Poupe-me das lágrimas alheias. Isso é pessoal e intransferível. Se já está na tela, já é um erro.