São exatamente 18 horas do dia 20 de maio de 2011 e segundo as previsões de um grupo de cristãos americanos, faltam vinte e quatro horas para o mundo acabar.
Calculado pelo Harold Camping através de sua sagrada bíblia, o dia do Julgamento Final será irremediavelmente amanhã às 6 da tarde. Para “comemorar” a véspera de uma data tão infortuna assim, vou publicar a minha polêmica visão de mundo e de Deus que há algum tempo já vinha guardando, mas sendo amanhã o meu julgamento, como o seu também, vamos revelar meu ponto de vista para assim ter reais motivos para eu ser condenado ou não amanhã.
Pare e pense. Quantos gays você conhece? Quantos negros trabalham ou estudam com você? Quantos migrantes moram na sua rua? Você se dá bem com aqueles que claramente têm renda inferior ou superior que a sua?
Preconceito é um tabu que, felizmente, aos poucos está diminuindo em nosso país. Já começa a existir de algum modo um tom de respeito entre todas as partes, sendo que alguns chegam até a tomar partido a favor de um ou outro. A campanha contra a homofobia, por exemplo, está alcançando grande parcela da população, mostrando que o número de simpatizantes pode ser sem fronteira. Uma mulher se elegeu presidente da República, os negros estão alcançando o mercado de trabalho, bolivianos já não se vê apenas no Bom Retiro, já não se anda dez passos na rua sem se ver alguém tatuado ou com um piercing. Mas será que é o prenúncio do fim total da descriminação e da intolerância nesse país?
Pelo menos para mim, está longe de isso acontecer. Afinal, eu sofro de certa forma preconceito, como todos aqueles que seguem minha filosofia de mundo, todos aqueles que não acreditam em Deus. Agora troque as perguntas que fiz em alguns dos parágrafos anteriores: Quantos ateus você conhece? Quantos ateus trabalham ou estudam com você? Quantos ateus moram na sua rua? Você se dá bem com ateus?
Eu realmente não conheço nenhum tipo de heterossexual que tenha tentado interferir na opção de um homossexual. Agora quantas pessoas já tentaram de alguma forma me converter ou exorcizar? Muitos. Será que quem é ateu como eu não se sente desconfortável de pertencer ao país mais católico do mundo?
Saiu uma pesquisa no ano de 2007 mostrando os números do preconceito escancarado da população brasileira. Quando perguntados se votariam em um negro para presidente da República, 84% responderam que sim; para uma mulher, 57 % (acabou que realmente 56, 05% da população votou em Dilma no segundo turno, mas mais de 20% votaram na candidata Marina Silva); para um gay, 32%; e apenas 13% da população votaria em um ateu.
Esse resultado me preocupa pessoalmente, afinal um dia ainda irei concorrer a uma eleição presidencial e não quero mudar de opinião religiosa para ganhar. Mas eu pergunto somente o que um ateu pode representar de tão perigoso para um país não querê-lo representando nossa nação.
Minhas opiniões liberais sobre temas como a liberação e descriminalização do aborto não estão logicamente ligados ao fato de eu não crer em alguém acima de nós meros mortais. Afinal, há quem se declare a favor sendo religioso assim como há ateus que “são a favor da vida”, como dizem. Para mim isto é uma questão de saúde pública e que diminuiria os casos de abandono de incapazes que envergonha tanto a população religiosa deste país. Mas não é essa a principal discussão que abro aqui, por isso voltemos a pauta.
A minha luta como ateu, pode ser basicamente resumida na defesa de um estado 100% laico. Onde está a questão de respeito quando um não-teísta se vê obrigado a usar uma cédula de real com a escrita “Deus é fiel”, quando vai ao hospital público e é recebido com um pôster de um Jesus quase superstar, quando se matricula na escola e descobre que terá aula de ensino religioso? Onde fica a questão do estado laico prevista na Constituição quando uma questão religiosa toma conta de uma eleição presidencial? É por esses e outras questões que faço parte daquela minoria de 13 % que votaria em um ateu.
Não é recíproco. Nós podemos ter nossa (falta de) crença do nosso modo, sem manifestar, sem repudiar, sem ofender aquele que tem a sua própria. Mas aquele sempre vai querer abrir uma discussão e mostrar que quem está errado é o ateu. Sempre o gay religioso vai para o céu enquanto o hetero anticristo vai para o inferno sem escala. Há maneira de mudar esse panorama? Espero que haja. E enquanto eu espero isso, espero também a data do nosso julgamento perante o inexistente neste dia 21 de maio às 18 horas.