Faz cinco anos que entrei no Ensino Médio. Quando
entrei no Ensino Médio fazia cinco anos que entrara na quarta série do Ensino
Fundamental. Na época, a quarta série parecia estar a décadas de distância. No
entanto hoje, parece que ingressei no o Ensino Médio anteontem. No mais, é
igualmente estranho pensar que já faz 10 anos que cursei a quarta série. Não
parece que foi semana passada, mas a distância de uma década é assustadora.
Tudo mudou com as torres gêmeas. Antes de 2011 tudo
que “já faz 10 anos” estava lá no passado distante de dez anos atrás, quase
apagado, alojado no hipotálamo em preto e branco ou sépia. Mas em setembro de
2011 vi pela primeira vez uma imagem de uma década distanciada em tecnicolor,
ainda presente em meu córtex. A tórrida terça-feira em que o episódio de Dragon
Ball foi interrompido para no lugar aparecer as torres pegando fogo não parecia
um episódio da semana passada, mas tampouco aparentava ser de “dez anos atrás”.
Desde então tudo vem completando uma década com uma
velocidade aterradora: o vice do São Caetano na Libertadores, o penta, a
eleição do Lula, o caso Von Richthofen, o Nemo, os 450 anos de São Paulo...
Chega a ser assustador. Mais assustador ainda quando eu olho para o calendário
e vejo em que anos estamos.
Fucking God. Amanhã completo 20 anos. 20 anos. Duas
décadas. Cinco mandatos presidenciais. 20 anos. Faz 10 anos que eu tinha 10
anos. Parecia tão distante naquela época completar 20 anos. Hoje eu vejo que
amanhã completarei 30 depois de amanhã 40 anos. Caramba, 20 anos! Se eu viver
80 anos, um quarto de vida já passou. Mas não vou chegar lá. Meu costume de
andar entre carros e atravessar fora da faixa tende a me levar antes.
Olho para trás nesse crepúsculo dos 19 anos e tento
fazer meu Amaccord. Parece que não vale a pena. Parece que passei um terço da
vida dormindo e no segundo terço estive dentro do transporte público.
Considerando o fato de que provavelmente eu estive dormindo dentro desses
ônibus. Do terço que resta valeu a pena?
Vou entrar na terceira década da minha vida. Quando
em sã consciência imaginei uma coisa dessas? Já se passaram duas décadas.
Passei toda a adolescência esperando me tornar adolescente. Já foi, perdi o fluxo
e não me toquei. O fato de chegar aos 20 sem nunca ter contraído herpes é o
símbolo do meu fracasso sexual na adolescidade?
Pensemos positivamente, não foi um tempo perdido
afinal. Em vinte anos já li Crime e Castigo. Mas oras, de que adianta ter lido
Dostoievski em minha adolescência e ter perdido o fluxo? Também fui a um show
do Paul McCartney. Ok, divago, não tem nada de incrível para contar nesses 20
anos...
Desses 20 anos parece que só aproveitei os cinco
últimos. E desses cinco anos parece que só aproveitei de verdade os últimos
cinco meses. É, nos últimos cinco meses gravei um disco. Sou um baixista de uma
banda genial. Mas não toquei no álbum, devido minha incapacidade enquanto
baixista. Sou uma fraude, senhores. Não pensem que as melhores tiradas desse
texto saíram da minha cabeça...
O que importa é que gravamos um disco. Minha banda é
ouvida até na Rússia. Olho pra trás e tomo outro susto. Já faz 8 anos que estou
metido nessa carreira musical. E dentre as orquestras que passei quando tocava
violino e a banda que estou tocando baixo nunca, em milésimo de momento algum
senti aquilo que os poetas dizem que sentem ao tocar um instrumento musical. Ou
era mentira ou sou eu que estou mentindo a mim mesmo há oito anos. É tão melhor
escrever...
Lembro-me daquela tarde de domingo em que eu assistia
a TV Cultura. O documentário (raios, que criança de cinco anos assiste esse
tipo de documentário num domingo?) era sobre a formação geológica da América
Central. Fiquei tão encantado com a história das ilhas à deriva no oceano que
um dia tentaram passar todas ao mesmo tempo entre a América do Norte e do Sul e
entalaram unindo assim os dois continentes em um só que, quando acabou corri
para minha mãe contando o caso e perguntando se aquilo era matéria de história
ou de geografia. Minha mãe respondeu que era história e eu, antes de entrar no
presinho enfiei em minha cabeça que história era minha matéria predileta. Mesmo
sabendo anos depois que aquilo não tinha nada a ver com história, eu não tirei
a ideia da minha cabeça e, interessantemente, geologia nunca me chamou a
atenção. A ideia das ilhas à deriva eram mais interessantes que as placas
tectônicas.
Hoje já faz dois anos e meio que estou estudando
história em uma universidade. Os encantos continuam surgindo, a cada texto, a
cada aula. A vontade de lecionar é que morre a cada instante.
Lembro-me das duas eleições para o grêmio escolar que
perdi. Lembro também do filme que era para eu ter dirigido, mas desisti no meio
prejudicando o resto do grupo. Em algum momento desses processos me deu uma
preguiça tamanha de liderança que nunca mais sumiu e, provavelmente jamais
reaparecerá. Preguiça de liderança e principalmente de grupos. Deve ter sido
nessa época que comecei a sentir prazer em ser individualista. Não, já o
sentia, mas nessa época deve ter se fortalecido. O menino de 8 anos que, vendo
Lula quis ser presidente quando crescesse morreu naquele momento e deu lugar a
um egoísta feliz que detesta aglomerações e não vai a festas de família nem a casamentos.
Lembro-me do dia que li no livro didático de história
sobre os crimes que Igreja praticava na Idade Média. Pobre Deus. Deixei de
acreditar nele por causa da própria história da Igreja. Aos 12 anos eu era o
único ateu que eu conhecia. Minha mãe sempre achou que fosse uma fase. Ela
continua achando.
A única vez que quase deixei de ser ateu foi quando
uma espírita rondou a minha vida. Espíritas assombram no máximo dois meses, mas
em dois meses entendi o que era aquele sentimento que os poetas tanto tentam
traduzir. Esvaiu-se tão repentinamente quanto apareceu. Foi apenas um espírito.
Esse sentimento é uma coisa tão alucinante que corri o risco de crer em deus; é
bom evitar. Estou evitando desde então.
A propósito, São Paulo é mais bonita nas noites de
outono. Todo mundo sabe disso. É por amar demais essa cidade que hoje a odeio. Nem
o amanhecer nem o pôr do sol mais bonito que já vi foram daqui. Aqui não ando
de bicicleta, aqui não ando de roupas de banho, mas aqui é ainda é adorável. Minha
lembrança mais antiga é a visão da estação República quando se está subindo as
escadas da estação. Veem-se as duas palmeiras e ao fundo o edifício Itália.
Lembro-me de falar para meu pai que eu já conhecia ali, que me lembrava daquela
visão. Não tenho mais essa lembrança da lembrança.
As noites são sublimes no outono, mas na primavera a
aurora é a mais bonita. O melhor mês é outubro, durante as duas semanas de
Mostra Internacional de Cinema. Todo ano é a mesma coisa: a sessão acaba seis
horas e a próxima em outra sala começa em meia hora. No deslocamento vejo o céu
alaranjado e me dá uma vontade de, ao invés de entrar na sessão, ficar lá fora vendo
o sol se pôr. Mas não o faço. E quando a sessão das seis acaba, o céu já está
escuro. Viver é uma constante espera. E vivo a espera de três eventos em
especial. São eles: o desfile da Mangueira, a Virada Cultural e a Mostra de
Cinema. Dois desses momentos se passam em São Paulo.
Se existe algum em São Paulo que gostaria de ir
novamente, apesar de impossível é o castelo Ra-tim-bum. Foi o primeiro filme
que vi no cinema e seu cenário montado no Sesc Belenzinho foi uma das primeiras
exposições que visitei. Quem me dera tivesse uma foto daquele dia... Do show
dos Mutantes no Parque da Independência também não tenho nenhuma foto. Danem-se
as fotos. Parece que as melhores lembranças não foram registradas. Por isso não
tenho celular com câmera. As lembranças recentes que não fotografei têm sido
boas. Devia ter passado menos tempo no Orkut, no MSN, no Twitter e no Facebook.
Que lembranças guardar das horas perdidas nessas redes? Nenhum livro que li eu esqueci
depois de ler. Poderia ter lido bem mais nesses vinte anos do que os escassos
110 livros que li na vida. 110, que vergonha... Tenho que excluir o Facebook e
o Twitter. E esse blog principalmente.
Ainda não escrevi a obra prima que me estão cobando
há muito tempo. Tem gente que cisma que eu escrevo bem e pede a obra prima.
Aposto que se um dia ela sair será um texto melancólico (mais do que esse) e
todos criticarão. Descerá do céu uma nave e os extraterrestres dirão que
preferiam quando eu escrevia coisas engraçadas. Por que não escrevi essa obra
enquanto tinha tempo? Com 20 anos não imagino que terei disponibilidade.
Escrevo textos – igualmente elogiados, continuo não entendendo o porquê – sem
graça, chatos para a faculdade. A cada nota de rodapé sinto que estou
apunhalando a mim mesmo. Bem que poderia ser a academia um pouco mais engraçada
para eu conciliar comigo mesmo.
Nunca diga que uma criança é gênio; elas podem se
tornar no futuro o que eu me tornei: o mais medíocre dos gênios. Aos três anos
aprendi a ler. Lembro-me de estar na casa dos vizinhos lendo em voz alta frases
de calendários religiosos. Formava-se círculo em volta de mim para ver o
exótico espetáculo. Na primeira série a professora insistiu que eu pulasse para
a segunda. Fiz uma prova para passar de ano – ainda estava em junho – e só não
passei porque a segunda série estava sem professor no momento. Por mais que
minha professora insistisse que eu deveria passar para a terceira, minha mãe
prudentemente impediu. Sempre fui chamado pelas visitas em casa de “gênio”, de “salvação
da família”. Mas estou fracassando em tudo que eu faço. Qualquer coisa que um
gênio faça que seja menos de genial é um fracasso. E sabendo desde os três anos
que eu era um gênio, eu nunca me esforcei para me superar. Duh, superar o que?
Eu sou um gênio! Por sorte me acostumei ao fracasso e não tenho ressentimentos.
Das vinte e quatro horas do meu dia, pelo menos
dezoito eu estou com óculos. Não reclamo deles, por isso poucos imaginam o
quanto eu detesto usar óculos. Da minha primeira armação sobrou uma prova de
quanto meus dentes de leite eram fortes. Aquela armação gigantesca roxa na
minha cabeça de seis anos era a imagem da desumanidade. Talvez por isso hoje eu
despreze as pessoas que usam armações gigantescas. Elas não sabem o que é ser
míope astigmático. Todas as armações estão guardadas. Assim como todos meus
cadernos e... todos os meus fortes dentes de leite. Cada um, dentro de um tubo
de filme fotográfico (coisa do século passado) com um papel informando que
dente era e em que dia caiu. Os tubos dentro de um cofre de moeda. Quem guardou
não foi minha mãe, nem meu pai, fui eu mesmo. Não estranharei se passar os
restos dos meus dias trabalhando num arquivo.
Lembro-me que no natal de 2004 ganhei um globo
terrestre, sonho de muito tempo. No meu aniversário de 10 anos ganhei um quebra
cabeça do mapa-múndi. No aniversário de 11 anos ganhei três mapas, um do
estado, um do país e um do mundo. (Aos 12 anos parei de comemorar aniversário.
Amanhã completo 20 anos, não me deem parabéns por isso! Parabenizem-me quando
conseguir estacionar um carro.) Do terço da minha vida que passei dentro de
ônibus aprendi a ter senso de direção e nutri em mim um orgulho de jamais
perguntar para alguém um caminho. Mesmo que esteja absolutamente perdido,
perguntar onde fica tal lugar é a maior das humilhações. E não tenho problema
em andar perdido sem rumo. Em toda cidade que conheço faço isso: desço no ponto
final de um ônibus e ando horas a esmo. Garanto que é o melhor jeito de se
conhecer um lugar. Além disso, aprendi a passar tranquilamente dias dentro de
ônibus. E cruzar meu país de São Paulo a Natal ou cruzar país vizinho, da
Ciudad Del Este a Encarnación foram experiências não menos que prazerosas.
20 anos. Tenho mais cinco anos de evolução física.
Após o auge da minha forma humana só me restará aguardar o lento e gradual
declínio a caminho da morte. Olho para
minha agenda e vejo que os dias estão cada vez mais cheios, os fins de semana
cada vez mais comprometidos. Olho para a minha estante de livros e o pensamento
na morte logo sobe a cabeça: não vai dar tempo. É o maior dos meus medos: não
ter tempo de ler tudo o que eu quero, nem de viajar para onde eu quiser.
Isso não afeta meu estado de espírito de jeito algum.
Quando digo que faz sete meses que não fico pra baixo e que triste mesmo jamais
fiquei ninguém acredita. O que torna essa sociedade depressiva afinal se viver
é tão maneiro? Com vinte anos já estou lamentando que só vá me restar sessenta.
Não que depois dos vinte cinco a coisa fique tão divertida quanto é hoje, por
isso o assombro. Mas o tempo é curto demais para ser levado pela tristeza. Talvez
pelo desespero de que a cada dia que passa, tenho menos um dia para viver
aqueça os ânimos. Poucos me entendem. Os que entendem, entendem os filmes do
Woody Allen.
São 20 anos. Não são apenas 20 anos. Se fossem
apenas, todos que me parassem na rua eu reconheceria. O fato de eu não
conhecê-los me deixa consternado, afinal eles me reconheceram, então alguma
lembrança, boa ou má eles tem de mim. Peço perdão por não ter uma lembrança
sequer e fico de marcar um role, mas nem ao menos pego o telefone da pessoa.
São tantas pessoas. Um dia ainda juntarei todas que estão na minha memória para
um role. Pedirei as desculpas necessárias, agradecerei a quem tiver que
agradecer, conhecerei quem não conheci ainda o bastante, abraçarei a todos. O
espaço tem que ser grande.
Daí eu me lembro daquela lista que fiz quando tinha
15 anos com cinquenta coisas que eram para eu fazer antes de morrer. Nunca
cheguei a compilá-la, afinal nunca decidi o que seriam 50 coisas de tamanha
importância. Lembro-me apenas que a que seria a primeira da lista eu ainda não
o fiz, que é passar um fax. O dia que eu passar um fax, poderei morrer em paz.
20 anos. De alguma forma valeram a pena. Nunca fiz
ninguém chorar contando histórias da minha vida. Mas fiz rir, o que é bom. Mas
fica aquele ensejo dramático que eu deveria ter aproveitado mais-alguma-coisa-sei-lá-o-que.
O que me resta é continuar respirando e aproveitar mais os anos que vem pela
frente. Enquanto eu conseguir andar a pé e escrever está tudo bem. E se tiver
um Hunky Dory por perto para eu ouvir, melhor ainda. Envelhecer é uma parada
muito maneira (raios, quem na minha idade escreve/fala isso?!), mas ter crise
de meia idade na virada dos 19 anos para os 20 anos é uma parada muito desnecessária.