4 de fevereiro de 2011

A obra e a obra de Maria Schneider

Foto: Paris Filmes
Imagina você sendo um ator ou uma atriz que com vinte anos de idade gravou um filme pra lá de polêmico que estourou no mundo todo e passar o resto da sua vida se lamentando por ter participado do filme. Foi simplesmente isso que aconteceu com Maria Schneider que morreu ontem aos 58 anos. 38 anos depois de ficar mundialmente conhecida por Último Tango em Paris.

Assisti Último Tango em dezembro passado, numa sessão de madrugada no TCM, já sabendo por cima o que iria ver. Não escondo meu despontamento em relação ao ritmo do filme, que achei que seria diferente antes de assistir. Mas não escondo também a estupefação que esta obra me causou. Quando se trata de uma preciosidade do cinema, não tem desculpa de ritmo.

O filme é muito mais do que a famosa cena que tanto se diz. Mas cena é muito mais do que cinema propriamente dito. Um fato divisor de águas na história do cinema, que recebe diferentes aceitações, que foi na época uma polêmica sem tamanho e que é hoje e sempre será um mito cinematográfico, ao qual a própria atriz se arrepende de ter feito.

Maria Schneider tinha menos de 20 anos quando começou a filmar Last Tango in Paris, contracenando com o não menos gênio Marlon Brando que na época tinha 48 anos. Um dos casais mais polêmicos da história, uma sacada genial do diretor Bernardo Bertolucci. A violência no amor e sexo do casal de 28 anos de diferença era baseada nas fantasias do próprio diretor.

Brando é Paul, um viúvo americano que se encontra em Paris. Schneider é Jeannie, uma jovem parisiense prestes a se casar. Eles se conhecem em um apartamento posto para aluguel onde o dois tem interesse de alugar. Sem se conhecerem começam a ter relações sexuais no lugar. Como um espectador do Big Brother, graças a maestria de Bertolucci.

A famosa cena que citei no começo, e que a atriz foi lembrada até a sua morte, é onde Paul a sodomiza usando um tablete de manteiga. Uma cena que para hoje pode ser tida como comum, na época fora um escândalo. Um tom sacrílego à sociedade acostumada aos belos contos de amor do cinema, uma narrativa crua de sentimento entre um pervertido de 50 anos e uma garotinha de 20 ao som do melancólico jazz de Gato Barbieri e da fotografia iluminada de Vittorio Stotaro.

Last Tango foi proibido em inúmeros países, inclusive no Brasil, época em que vigorava o AI-5. Rodado na Europa em 1972, só pôde vir para cá em 1979. Num tempo em que não existia DVD nem Torrent, esse filme aguçou a curiosidade de todos ao ver as cenas de sexo.

Marie Schneider viveu às custas da fama deste filme. Seu único papel de reconhecimento após Last Tango foi em outro clássico, Profissão Repórter, de Michelangelo Antonioni contracenando com outro monstro da sétima arte, Jack Nicholson. Pode nem ter sido tão boa atriz, mas fez dois papéis que entraram para a história.

Mas viveu a sombra de Last Tango. Posteriormente disse que suas lágrimas durante a famosa cena de sexo anal eram verdadeiras, que se sentia estuprada não somente por Brando, mas como por Bertolucci também. Sempre sob os holofotes de Last Tango, Schneider viveu sob álcool e drogas, fracassou em sua carreira de atriz e morreu ontem, aos 58 anos, depois de anos de enfermidade.

Possa ser até que Maria não faça falta como atriz no cinema, mas sempre fará, ao se tratar da mulher de O Último Tango em Paris.

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