A poucas
semanas de seu esperado fim, a gestão de Gilberto Kassab já entra para a
galeria das piores prefeituras que São Paulo já teve. Reduzi-la a menos de uma
taxação de pífia é um exagero, e qualquer categorização que se assemelhe com a
reportagem da Veja São Paulo deve ser tratada como uma piada de mau gosto. Não me
cabe aqui citar os absurdos ao quais somos vítimas há seis anos, pois estes
estão visíveis logo ao sair da rua. Quero aqui tratar de dois pontos curiosos da
dinastia Kassab que o livram da titulação “pior prefeito que São Paulo já
teve”, como alguns vêm dizendo. Longe de glorificar sua gestão, acabam apenas
tirando-a do limbo completo.
A
primeira delas é a cara da cidade. A cidade de São Paulo nos últimos anos ficou
mais bonitinha. Fazer de terrenos baldios praças não é a prioridade de um plano
de gestão quando se tem uma cidade violenta, sem qualidade na educação e na
saúde. Mas uma área verde é sempre bem vinda. E para compensar a rua
congestionada ao lado, a pracinha está lá, bem cuidada com alguns vigilantes e
iluminação, uma quadra onde crianças jogam futebol e uns cantos mais escondidos
para a alegria dos maconheiros. Terrenos antes inúteis foram bem aproveitados e
enfeitam a cidade cinza. Além das praças, a gestão promoveu um milagre da
multiplicação de parques (alguns sendo registrados onde no lugar existe uma favela).
Perto da minha casa, no extremo leste foram inaugurados nos últimos dois anos dois
parques excelentes, uma área de lazer que não existia até então na periferia,
que antes servia para despejo de lixo e entulho.
Além
disso, sempre fui a favor da lei Cidade Limpa, implantada em 2007 que, mesmo ainda
não cabendo como uma prioridade de uma gestão competente retirou os outdoors, as
placas e toda imundície visual que atrapalhava a cidade. Hoje é um verdadeiro
choque quando você vai a um município da metrópole onde não existe essa lei,
como Guarulhos ou Santo André e se depara com as placas indo a encontro a você
ameaçadoramente querendo te carregar para dentro de um estabelecimento
comercial. São Paulo está livre disso. Hoje você fica parado seis horas no
trânsito, em compensação vê o horizonte, não um outdoor de alguma marca de
presunto.
Mas a
cidade limpa não é a cereja do bolo desta gestão. O que mais me agradou nesses
seis anos foi a proliferação de programas da secretaria da cultura tornando São
Paulo em um pólo cultural com vasta abrangência nunca antes tida no Brasil.
Vale lembrar que seis das sete edições da Virada Cultural ocorreram nessa
gestão. E se a primeira tinha 250 atrações e um público de aproximadamente 500
mil pessoas, a desse ano teve mais de 1500 atividades e um público de mais de 4,5
milhões.
A
abertura de fábricas de cultura e bibliotecas nas periferias e a utilização
desses espaços para eventos que antes ficavam restringidos ao centro foi um dos
pontos altos da gestão. Graças a locais como o Centro Cultural da Juventude na Vila
Nova Cachoeirinha serviram para aumentar o número de atrações que a revista
mensal da prefeitura Em Cartaz
oferece. A Galeria Olido no centro foi outro lugar que, se foi recuperado na
gestão Marta Suplicy (2001-2005), nestes últimos seis anos foi vastamente
utilizada como polo cultural.
A Praça
das Artes, ao lado do Teatro Municipal para abrigar a Escola Municipal de
Música e o Balé Municipal, finalmente vira realidade, com várias décadas de
atraso. Falando em Teatro Municipal, a sua reforma foi um presente brilhante
para seu centenário em 2010 e resta agora às autoridades (sonho distante?) baratear
os ingressos para esse local ser aproveitado e freqüentado por todas as classes
sociais que tem o direito de conhecer esse espaço público. E outra reforma bem
vinda é a do Centro Cultural São Paulo (Vergueiro) que, com quase todas as
atividades suspensas em 2012, apresenta no plano de obras a modernização de
todas as suas salas e promete continuar a democratização cultural mantendo 90%
das suas atrações gratuitas.
Mas
o programa mais genial da prefeitura nos últimos anos que merece meus parabéns
e muito obrigado, sem dúvida é o “CEU é Show”. O espaço iniciado na gestão da Marta,
espalhado por toda periferia, foi por muito tempo esquecido como espaço
cultural, se tornando apenas mais um espaço educacional. Em 2010, o lançamento
do projeto em questão foi pequeno e quase imperceptível, se limitando a uma
dúzia de eventos em algumas unidades dispersas. Em 2011, quando a Bachiana do
maestro João Carlos Martins fez uma turnê por várias unidades da capital, o
projeto começou a chamar atenção. Esse ano, gloriosamente, foi um verdadeiro
espetáculo em si a expansão do CEU é Show, tanto em quantidade de apresentações
quanto em qualidade.
Gente
como Fernanda Montenegro, Glória Menezes, Antônio Abujamra, Tulipa Ruiz,
Toquinho pisou em palcos distantes do centro da cidade para públicos que nunca frequentaram
uma sala de teatro. Mais de 800 shows e espetáculos teatrais nos 45 CEUs de São
Paulo, provavelmente um dos maiores projetos de inclusão cultural já visto.
Fui
em vários espetáculos. Ver peças como Dueto
Para Um com direção da Mika Lins ou o monólogo do Antônio Abujamra A Voz do Provocador sem precisar passar
duas horas dentro de um ônibus foi uma experiência única. Algumas vezes, com a
sala vazia e um sentimento de constrangimento, outras vezes com a sala cheia e
na saída, a satisfação de ver uma igreja porta de garagem com um pastor
berrando tão alto que doía o ouvido só de passar perto palavras num português
errado vazia, com três pessoas no máximo, ao contrário do teatro. Quem diria
que no Inácio Monteiro um monólogo sobre Simone de Beauvoir teria 50 vezes mais
pessoas do que um pastor sensacionalista?
O público
de uma peça num CEU na Cidade Tiradentes ou na Vila Brasilândia faz barulho, tira
foto com flash, desrespeita. Mas não é a falta de respeito uma criação. É a
falta de costume. Muitos do que assistiram Glória Menezes no palco perto de sua
casa, nunca tiveram oportunidade de ir em uma peça de teatro, afinal não existe
na periferia. Essa realidade deve ser mudada e está sendo mudada. Parte da
iniciativa vem de grupos culturais não governamentais que fazem mil maravilhas
na periferia, como companhias teatrais e centros culturais sem qualquer apoio
ou patrocínio. Agora a outra parte deve vir das autoridades. O CEU é Show e a
Virada Cultural devem continuar com a gestão Haddad. E um dia, esse público tão
esquecido, será finalmente acostumado, e ir ao teatro, ou ir a um concerto não
fará mais parte da exceção, mas sim do cotidiano. Muito já se fez, mas deve se
fazer mais. Quem disse que não vamos levar nenhum bom exemplo de Gilberto Kassab?