6 de janeiro de 2014

A importância dos "bregas"


Nelson Ned morreu. Quase nenhum psiu nas redes sociais sobre essa baixa na música, muito diferente do furor que a morte do Reginaldo Rossi provocou no mês passado. Afinal, a estatura de Ned era mais conhecida que sua obra e para a nova geração – a qual eu faço parte. Ned era no máximo o anão do comercial da Bombril.
O Pequeno Gigante foi talvez o artista brasileiro que mais cantou para multidões no exterior. Enquanto em sua terra natal era ridicularizado pela elite musical, tocou duas vezes no Madison Square Garden, quatro vezes no Carnegie Hall e em países latinos lotava estádios – não teatros, estádios. Numa noite no México cantou para mais de 80 mil. Ned era o cantor brasileiro predileto do Gabriel García Marques. Vendeu mais de um milhão de discos nos Estados Unidos e mais de 42 milhões em todo o mundo.
Nelson Ned faz parte de um grupo talentoso da música popular brasileira que sempre foi reduzido por aqueles que apreciam a tal Música Popular Brasileira. Idiotice fazer essa separação entre letras minúsculas e maiúsculas, mas a grande maioria ainda considera assim. Não que eu deprecie Chico e Caetano pelo fato de serem os nomes chaves desse segundo grupo. Pelo contrário, eu os venero. Mas boto a turma do Odair José e do Fernando Mendes no mesmo patamar. Para mim a música popular brasileira, como um todo, não tem pra ninguém.
Considero os anos 70 como o grande ápice da música brasileira. A molecada Chico, Caê, Gal, Milton, Elis, Belchior, Novos Baianos, Tim Maia, Walter Franco estava no auge. Era considerada a elite musical brasileira, a geração que elevou o status quo da MPB. Mas nesse mesmo período, os verdadeiros P da sigla também estavam no auge. Wando, Rossi, Mendes, Odair e Moacyr Franco lançaram seus maiores sucessos, mas sempre foram deixados de lado, postos no mesmo patamar de bregas, cafonas, ruins.
Brega. Sinônimo de antiquado. Tal simplismo tem essa definição para agrupar esse grupo, que percebemos como é errado tentar encaixar todos esses artistas numa mesma categoria. Todos eles cantavam músicas românticas e faziam verdadeiras crônicas da periferia. Mas reduzi-los a simples conotação de “antiquados” é um atestado de ignorância cultural.
Vejamos caso a caso. Nelson Ned e Agnaldo Timóteo flertavam com os boleros de Lucho Gatica. Reginaldo Rossi era herdeiro da Jovem Guarda. Odair José, para mim um dos casos mais interessantes, tinha como sua maior influência os Beatles.
Odair José é uma figura que eu gostaria de ler uma biografia – por que não escrever? Conversei com ele na saída do seu show no Sesc Pompeia em dezembro. Simples, humilde e generoso. Sei que exalou rebeldia quando jovem. Saiu da fazenda da sua rica família em Goiás para tentar a vida musical no Rio, onde dormiu na rua e tocou “em todos os puteiros de Bangu a Copacabana”, como ele mesmo afirma. Odair não se sujeitou às ordens das gravadoras e escreveu músicas polêmicas que sofreram com a censura. Em seus álbuns, o Trio Azimuth e o guitarrista Hyldon fizeram arranjos incríveis. Percebam a musicalidade e as influências na sua música.
Paul McCartney é o maior ídolo de Odair José

Também lembro das influências na obra do Fagner e do Amado Batista. Bob Dylan é brega por acaso?


No lado inverso, alguns chavões da grande MPB, diferente da crítica chegaram a considerar a obra das “bregas”. O que é insuportável é ver que na voz desses caras as músicas anteriormente rebaixadas são instantaneamente elevadas a “obras de arte”. Você realmente acha que ‘Você Não Me Ensinou a Te Esquecer’ é do Caetano?

Nelson Ned morreu aos 66 anos pobre e esquecido. Era anão. Nos últimos dez anos perdera a visão do olho direito e tornara-se cadeirante. Convertera-se na década de 90, quando já estava caindo ao ostracismo. As bebidas e as drogas dos tempos de ouro estão narradas na sua biografia ‘O Pequeno Gigante da Canção’, lançada em 96 que um dia hei de ler. Talvez agora com sua morte ele seja lembrado, o que é tão cruel. Precisamos rever valores e reverenciar quem merece. Tem muita gente boa viva ainda que precisa do reconhecimento, antes que seja tarde. 
Agora que já é tarde, só tenho a agradecer por tudo, Nelson Ned!

Nenhum comentário:

Postar um comentário