14 de maio de 2013

Você já leu Aníbal Machado?



Há algum tempo tenho feito essa pergunta aos meus amigos mais bibliófilos. Surpreendentemente, e infelizmente, a resposta tem sido negativa. Não por menos. Antes de eu receber de presente de natal atrasado de uma querida tia a edição A morte da porta-estandarte, Tati, a garota e outras histórias, eu nunca tinha ouvido falar nesse cara. O que é de muito se estranhar, devido o fato de Aníbal Machado ter escrito em um período de ouro de nossa literatura e pelo fato desta obra de título enorme ser uma das mais incríveis coletâneas de contos que eu já li.

A primeira explicação plausível para o desconhecimento de Aníbal Machado é o fato de este mineiro, nascido em Sabará no ano de 1894 ter publicado muito pouco. Em sua obra contam três ensaios conferenciais e duas obras de ficção. A primeira obra ficcional, Vila Feliz, datada de 1944 agregava alguns contos, que 10 anos depois seria revisada e preenchida com mais contos e seria re-intitulada de Histórias reunidas. Devido a outras modificações editoriais, seria lançado postumamente como A morte da porta-estandarte, Tati, a garota e outras histórias, reunindo todos seus 13 contos produzidos em vida. A segunda obra ficcional, João Ternura, foi publicada também postumamente, em 1965. Ainda se insere em sua obra o livro de reflexões Cadernos de João, de 1957. Com uma carreira diversificada, dedicada entre outras funções, à produção acadêmica e ao futebol, a obra literária de Aníbal Machado é bem restrita, o que não impede de ser marcante.

A segunda possível explicação para seu ostracismo é o justamente o sucesso de seus contemporâneos. Com uma obra tão pequena, ficaria bastante difícil se destacar no cenário literário nacional, em plena segunda e terceira geração do modernismo brasileiro. Vale lembrar que entre as décadas de 30 e 50, estavam em ascensão astros maiores de nossa literatura, como Carlos Drummond de Andrade, Graciliano Ramos, Jorge Amado e João Guimarães Rosa. Concorrência desleal com o ensaísta metido a contista Aníbal Monteiro Machado.

Após ler o primeiro conto de Aníbal, O iniciado do vento, eu fiz instantaneamente o questionamento: “como eu pude não conhecer esse cara até agora?” Tenho convicção que cada um que começa a ler sua coletânea de contos despretensiosamente como eu fará a mesma pergunta a si mesmo. Antenados associarão talvez seus contos a outros escritores de renome. No meu caso, cada conto que li, lembrei de alguém. Nas páginas de Aníbal Machado enxerguei referências a Franz Kafka, Machado de Assis e Miguel de Cervantes, mas nunca estas referências tiraram o aspecto único e originalíssimo do contista. Alguns de seus contos me lembraram bastante Jorge Luis Borges. Ao compará-los percebi que o que li de Borges é posterior à obra de Machado. Tão logo, se não é de fato uma coincidência que os dois contemporâneos tivessem linguagens parecidas, é possível concluir que o ilustre bibliófilo considerado ““ maior escritor argentino de todos os tempos “” tenha sido influenciado pelo mineiro de Sabará.

Dos treze contos reunidos em A morte da porta-estandarte..., onze são excelentes, um bom e ainda um último que deixa a desejar. Cada conto me surpreendeu a sua maneira. Cada história, completamente diferente das outras causou reações incríveis, desde crise de riso até repentino empalidecimento. É notável a diferença de estilos presentes em cada conto, indo desde o realismo fantástico, ao absurdo, ou simplesmente a descrição do cotidiano urbano plenamente satisfatório.

De todas essas obras primas, há de se destacar duas. Viagem aos seios de Duília e A morte da porta-estandarte são para mim os contos mais primorosos desse autor. O primeiro, de cortar o coração relata a viagem de um funcionário público aposentado ao passado, movido por lembranças arrebatadoras de sua infância. Soube que foi adaptado ao cinema em 1964 por Carlos Hugo Christensen. Hei de procurar o filme. O segundo, o conto de carnaval mais inesquecível que já li retrata o assassinato de uma linda porta-estandarte (porta-bandeira) morena por seu amante em plena Praça Onze em meio ao festejo geral. O lirismo presente em cada descrição do conto é tocante.

Os outros não menos excelentes impressionam o leitor, tamanha a originalidade do autor. Não dá para excluir nenhum da recomendação. O jeito é espalhar Aníbal Machado. Por isso, desde que li o primeiro conto recomendo furtivamente a leitura de Aníbal machado. E sei que quem o ler também sairá recomendando, tal a qualidade de sua obra. Não vejo a hora de poder ler João Ternura. É necessário espalhar Aníbal machado por aí.

Nota: a edição que li de A morte da porta-estandarte, Tati, a garota e outras histórias foi impressa em 2009 pela Editora José Olympio. Durante a leitura percebi incontáveis erros de edição e diagramação, como palavras não separadas e vírgulas inexplicáveis. Por esses mesmo erros já desisti há alguns anos das publicações da Martin Claret. Espero que em edições posteriores os erros tenham sido sanados. Tais erros são imperdoáveis por ser tamanho desrespeito tanto com o autor quanto para o leitor. Espero não me decepcionar mais com as publicações da José Olympio e ser obrigado a desistir dela.

Para se aprofundar mais na obra de Aníbal Machado recomendo veemente a tese de doutoramento de Márcia Azevedo Coelho, Entre a pedra e o vento: uma análise dos contos de Aníbal Machado, disponível para download em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8149/tde-30042010-111317/pt-br.php

Link para o conto O defunto inaugural, presente em A morte da porta-estandarte...: http://www.releituras.com/anibalm_menu.asp

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